domingo, 18 de janeiro de 2015

ABRIL DESPEDAÇADO

 "A mãe costuma dizer que Deus não manda um fardo maior do que nóis pode carregar. Conversa fiada. Às veze ele manda um peso tão grande que ninguém guenta."

Por André Betioli


Baseado no romance homônimo do albanês Ismail Kadaré e adaptado para o cenário do sertão brasileiro por Walter Salles, Abril Despedaçado é um filme que pode entrar na sua lista dos favoritos, e querer rever daqui um tempo.
A trama se ambienta por volta de 1910, no sertão nordestino. Cercados pelo clima árido, escassez de recursos, e violência, conhecemos duas famílias rivais: os Breves e os Ferreira. Desde outros tempos, de gerações anteriores, as famílias vivem em um eterno conflito por disputa de terra. E a maneira que eles usam para determinar o vencedor é seguindo a tradição de que uma das famílias deve matar um membro da rival. Ao fazer isso, a família penalizada tem o direito de tirar uma vida da outra.Ou seja, o filme começa com a morte do filho mais velho dos Breves, e logo vai caber a Tonho (Rodrigo Santoro), filho do meio, a missão de vingar a morte do irmão. Só que ele sabe que assim que o fizer, devido a tradição e as regras, pouco tempo de vida lhe restará, pois ele será o próximo alvo. O prazo é determinado pelo tempo em que o sangue da camisa da vitima (que fica pendurada em um varal) muda de cor, do vermelho para o amarelo desbotado.
A realidade em que as famílias se encontram é extremamente difícil. Dá para sentir o quão pesado é o fardo que os personagens carregam. Pacu ou "Menino" (Ravi Ramos Lacerda), irmão mais novo de Tonho, uma criança, levanta a questão de que Tonho deve fugir assim que fizer sua missão, já que não quer ver seu irmão morrer. Então, a partir daí Tonho, até então com 20 anos, percebe que logo terá de se deparar com essa imensa responsabilidade. O medo começa a tomar conta de seu ser, e pela primeira vez, em sua vida e com o prazo se estreitando, ele percebe que nunca "viveu" de verdade. Nunca aproveitou algo bom da vida. Não conheceu o amor. Nunca se apaixonou ou se decepcionou. Não viu o mar. Não conhece a arte. E tão pouco sabe o que é a liberdade. Perto do fim iminente, Tonho passa a se perguntar, o por que de tanto sangue derramado? Qual é o sentido de tudo isso?
Em meio a uma narrativa simples, mas que em determinados momentos é poesia pura, juntamente com uma fotografia incrível (acho que o sertão nunca esteve tão bonito), recheada de simbolismos,  e a atuação excepcional de todo o elenco, claro com destaque para Santoro e Lacerda, faz deste filme uma obra  única, daquelas que merecem ser lembradas e ressaltadas. Ah sim, a sequência final do longa é simplesmente perfeita. É quase impossível não se emocionar.



Perfeito! Uma obra prima do cinema nacional!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

OS CAVALEIROS DO ZODÍACO - A LENDA DO SANTUÁRIO



Por Diego Betioli

"Seiya e os outros atravessam as doze casas do Santuário para salvar a Deusa Athena..."

 A frase foi repetida inúmeras vezes ao longo dos 73 episódios da primeira e mais épica saga de Cavaleiros do Zodíaco, anime que virou febre instantânea no Brasil nos anos 90 e fez parte da infância de muita gente (inclusive deste que vos fala). Apesar de ser exibido como um "desenho" comum, CDZ possuía alto teor de violência, e a ausência desta é apenas uma das inúmeras diferenças entre a série animada e o filme em CG lançado no ano passado, vinte anos depois da explosão de sucesso brasileira e quase trinta após o lançamento do mangá e do anime no Japão.
 O anúncio da adaptação da saga de, como já citado anteriormente, 73 episódios em um filme de 93 minutos dividiu opiniões e gerou desconfiança. Seria ousadia ou ingenuidade conseguir converter todo o conteúdo de um enorme arco - embora boa parte de seus episódios sejam apenas de batalhas - e esperar que o resultado fosse positivo e satisfatório para o público. Mas, para entrar nesse mérito, é necessário entender justamente qual é o público deste filme.
 Se CDZ não sai da memória do fã brasileiro, nostálgico por natureza, no Japão o anime/mangá já não é tão popular há alguns anos. Algumas recentes tentativas de ressuscitar a franquia fracassaram, como o anime Omega, continuação da série original que agradou a pouca gente, e a série Lost Canvas, que retrata a Guerra Santa anterior, na qual Dohko e Shion lutaram. Este possuía uma qualidade imensamente superior ao de Omega e apresentou novos e bons personagens, mas acabou sendo cancelado por falta de audiência, embora o mangá tenha tido continuidade.
 Com essa problemática em vista, acreditou-se ser preciso apresentar CDZ a um público novo. Mais jovem, que, basicamente, não tivera nenhum contato com a série original. Daí surgiu a ideia de adaptar a principal saga do anime - a primeira - seguindo  a ordem cronológica do anime, o que possivelmente abre caminho para futuras sequências, que também devem seguir as demais sagas do cânone original.



 E é neste ponto que o público se divide entre "possíveis novos fãs" e "nostálgicos/fãs clássicos". Se você se enquadra no segundo, dificilmente o filme lhe agradará. Basicamente, a saga é triturada em um liquidificador para que o mínimo essencial da estória possa caber em uma hora e meia. Tudo acontece tão rápido que fica difícil se empolgar ou gerar qualquer empatia pelos personagens, especialmente por Seiya e Saori. Outro fator que incomoda ligeiramente são as piadas fora-de-hora, que teimam em aparecer com alguma frequência justamente durante as batalhas no Santuário, momento em que a carga dramática deveria estar elevada.
 Não obstante, há mudanças em pontos cruciais da narrativa original e na personalidade e aparência de alguns personagens. Entre as mais notáveis está a mudança de Miro para uma mulher, em uma possível tentativa de gerar mais empatia com o público feminino, e a transformação de Máscara da Morte, o mais cruel dos doze dourados, em um sujeito espalhafatoso e "engraçadonho". [SPOILER] Afrodite é simplesmente descartado, tendo uma morte rídicula e durando pouco mais de alguns segundos na trama. Saga, por sua vez, "evolui" no fim para uma criatura ao melhor estilo "chefão de God Of War", algo totalmente desproporcional ao universo de CDZ. [/SPOILER] Outros personagens, como Ikki, possuem pouquíssima relevância na trama.
 Todos estes pontos são apenas algumas coisas que podem incomodar os fãs mais ávidos, mas que, como já salientado, podem passar despercebidos por um público realmente novo. Os pontos positivos também devem ser ressaltados: a animação é excelente, com uma qualidade gráfica impressionante e extremamente bonita. Os personagens, bem como os cenários, parecem incrivelmente vivos, e o mesmo pode se dizer dos poderes e golpes especiais despejados pelos cavaleiros - um verdadeiro espetáculo visual. Por sinal, as batalhas, embora muto breves e nem de longe violentas como no anime, são muito bem feitas e podem ser consideradas o ponto alto do longa. As armaduras dos Cavaleiros de Ouro são outro show à parte, ricas em detalhes e com ótimo acabamento (a de Aldebaran é uma das mais bonitas). E a versão dublada conta com as vozes originais de praticamente todos os personagens.
 De todo modo, o filme sucita a velha discussão em torno da necessidade de reboots, de se repaginar clássicos para apresentá-los à nova geração, algo que já se tornou comum em Hollywood. O que acontece é que certas obras possuem caráter atemporal, de maneira que, independente da introdução ou retirada de elementos contextuais, sua qualidade e fama serão sempre postergadas para as gerações seguintes. Ao menos no Brasil, CDZ é um destes casos, mas vale lembrar que isto muda de país para país e, consequentemente, de cultura para cultura.
 Em suma, A Lenda do Santuário deve ser visto, por ambos os públicos, como um filme à parte do cânone original, sem compromisso, capaz de render alguma diversão ao espectador.








Razoável

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

CHEF


Por Diego Betioli

Despretensão. Este é o segredo do filme Chef, dirigido, produzido, escrito e protagonizado por Jon Favreau (Homem de Ferro 2), e que pode ser considerado facilmente uma das melhores produções de 2014.
 Como sugere o título, a trama gira em torno da culinária, mais precisamente sobre o drama do chef Carl Casper (Favreau). Carl é um conceituado chef que trabalha a serviço de um renomado restaurante na Califórnia, onde possui grande prestígio com sua equipe de cozinha e uma amistosa relação com Molly (Scarlett Johansson), a hostess do estabelecimento. No entanto, Carl sente-se limitado pelas exigências de seu chefe, Riva (Dustin Hoffman), que não permite sua liberdade criativa na cozinha e acaba restringindo-o a preparar sempre os mesmos pratos. E tudo vem por água abaixo quando um famoso crítico decide experimentar o cardápio do restaurante e o detona.
 A tensão profissional de Carl é aliada com a relação insossa que possui com o filho, Percy, e a ex-mulher Inez (Sofia Vergara), em função da obsessão pelo trabalho e a frustração profissional, de modo que o garoto é sempre deixado em segundo plano. Embora passe um tempo com o filho aos finais de semana, Carl é ausente, e age de modo mecânico e indiferente com a criança.
 O ponto de mudança da trama ocorre quando Carl se vê no fundo do poço e percebe o quão distante se tornou do filho, o qual reconhece como apenas um desconhecido para si. E é na tentativa de reaproximação com o menino que o personagem acaba se reencontrando, ao acatar a ideia da ex-mulher de cozinhar em um food truck e, finalmente, fazer aquilo que sabe e o que deseja na cozinha.


  Há diversos pontos que tornam o filme extremamente prazeroso de se assistir. A narrativa é leve, recheada de toques de humor, e, embora o roteiro pareça previsível, não se torna cansativo em nenhum momento. A abordagem humanista do "fazer o que se gosta", mesmo que isto signifique desapego de posições sociais e a suposta satisfação profissional em colocação hierárquica (que na maioria das vezes não condiz com a satisfação pessoal), é o ponto-chave da trama, levando o expectador - muitas vezes identificado com situação similar - à reflexão. A mudança profissional ocorre de forma positiva na vida de Carl ao mesmo tempo - e também em virtude - da participação de seu filho em todo o processo, e em determinada cena este apogeu em sua vida é facilmente constatado, quando Percy nota a incontrolável felicidade no pai até então sisudo e infeliz, e também sorri.
 O bem-humorado Martin, cozinheiro e fiel escudeiro de Carl, é o principal alívio cômico do filme e também rouba a cena, sendo muito bem interpretado pelo ator John Leguizamo (O Peste). Robert Downey Jr., que trabalhou com Favreau em Homem de Ferro e Vingadores, também faz uma ponta no filme.
 Outros destaques são a ótima trilha sonora, que conta com 21 faixas e vai de jazz à música típica cubana. E claro, os pratos - uma verdadeira "pornografia culinária", no ponto de vista de que se torna explícito a "nudez" das refeições na tela. É impossível ficar indiferente e não sentir fome durante todo o filme (portanto, esteja bem servido ao assisti-lo).
 Este é mais um daqueles filmes que passam despercebidos, mas que certamente merece um olhar carinhoso. Vale reservar algum tempo - e o estômago - para apreciar essa obra.







   Excelente!